sábado, 26 de março de 2016

Pesadelo

Foi-nos dito que se houvesse fecundação teríamos que estar no CHAA segunda-feira às 12 horas para a transferência dos embriões. Caso não houvesse fecundação ligavam-nos no sábado a dizer para não irmos. Se não recebessemos nenhum telefonema era sinal que pelo menos 1 tinha fecundado.

Vocês conseguem imaginar a enorme ansiedade que isso gera? Dormi mal. Tive sonhos muito intensos e confusos, acordei várias vezes durante a noite. O ar parecia que não chegava aos pulmões. O coração, esse estava acelerado. Não queria estar perto do telemóvel. Até quando o telemóvel do marido tocava parecia que estava prestes a ter um ataque cardíaco! O coração disparava, ficava tonta e deixava de ver durante uns segundos. Foram horas muito difíceis.

A manhã passou. Estavamos no início da tarde e eu comecei a ficar mais calma. Sabia que a tal chamada seria até essa hora. Comecei então a ganhar alguma esperança... mas não fiquei sossegada. Ok houve fecundação. Mas será que foi 1? 2? Todos? E o desenvolvimento? Estava bom? Não sabia nada de nada e isso dava cabo de mim. Quem me conhece sabe que o facto de não saber das coisas ao pormenor me destrói. Sentia-me perdida.

Finalmente chegou a segunda-feira! À hora marcada lá estavamos nós. Estava ansiosa mas feliz por ir receber o meu bebé ou os meus bebés.
Chamam os nossos nomes e entramos no ganinete. Estava a Dra. S., a enfermeira e a bióloga.
"Temos boas e más notícias", disse a bióloga. "Todos os ovócitos fecundaram, o que é ótimo. É sinal que eles se entendem. Dois deles até fecundaram por mais que um espermatozóide! Mas esses tiveram que ser descartados porque são inviáveis. O terceiro é um embrião muito mau, com um desenvolvimento muito lento. Tem 50% de fragmentação e apenas 4 células. Era suposto ter 8 células neste momento. Como estes embriões raramente implantam, normalmente nem fazemos a transferência e até fizemos esse apontamento na vossa ficha." E mostra-me a nossa ficha onde se lia em letras grandes "SEM TRANSFERÊNCIA".
E a Dra. S. acrescenta "mas claro que a decisão de transferir é vossa. Contudo, pensem bem porque neste hospital nunca houve nenhum caso em que tivesse ocorrido gravidez com um embrião destes. Se transferirem conta como tentativa e por isso têm que esperar 1 ano para um novo tratamento porque voltam para o início da lista de espera. Se não transferirem, não conta como tentativa porque é um tratamento cancelado. E nesse caso, entram para uma lista especial e daqui a 3 meses podem fazer um novo tratamento. Pensem bem... A Mia é jovem e nós gostavamos de lhe fazer um novo tratamento."
E a parte da boa notícia?? É que não percebi! A sério que acharam que o facto de fecundarem por 2 espermatozóides era uma boa notícia?? Uau que fixe! Isto fecunda tão bem que até conseguem entrar dois espermatozóides no mesmo óvulo! A seguir vão para o lixo mas essa parte não interessa nada! 😑
Ouvimos tudo em silêncio. Enquanto as ouvia só tive vontade de morrer. Perguntei qual era a probabilidade de resultar, ao que me responderam 1 ou 2%. A bióloga acrescentou que tinha tido um único caso de sucesso com um embrião destes, não ali, mas numa clínica privada onde também trabalhava.
Deram-nos um tempo para pensar. Eu tinha esperança que aquilo fosse mais um dos muitos pesadelos e que ía acordar em breve.
Quando consegui organizar os pensamentos, decidi que queria fazer a transferência. Já que eu estava sempre no grupo dos raros para as coisas más, podia também estar no grupo dos raros para uma coisa boa. O marido tentou chamar-me à razão. Mas aceitou a minha decisão.
A transferência foi feita.

Recomendações: continuar o progeffik de 8 em 8 horas até ao dia do beta hcg; repouso relativo nos três dias seguintes.

Segui as recomendações à risca. Foram dias angustiantes, sempre atenta a qualquer sinal do meu corpo. Tentei agarrar-me aquele 1 ou 2%, ora tinha esperança, ora não tinha. Mergulhei na net, li todos os estudos que encontrava, todos os testemunhos! Apontava todos os sintomas que tinha, por muito insignificantes que podessem ser.
Lembro-me de ter um pesadelo em que estava rodeada de sangue. Acordei sobressaltada e a transpirar. Fui ao wc e vi que o papel higiénico tinha um fiozinho mais escuro. Estava no dia 11 após a transferência. Percebi que tinha terminado ali. No dia seguinte, sangue vivo e em abundância.

Não queria ver nem ouvir ninguém. Não queria saber como estava o mundo lá fora. Não queria existir. Desejava intensamente que o meu coração parasse de bater. Dormir era o melhor. Enquanto dormia não sentia... e tinha esperança que algo acontecesse e não voltasse a acordar mais.


2 comentários:

  1. :( Conheço bem esse sentimento ... :( o nosso chão abre-se e nós caimos num abismo sem fim :(
    Um beijinho, Mikas*

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  2. Verdade... só nós é que sabemos o quão difícil é enfrentar o dia-a-dia depois de uma situação destas :(

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